quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Cura por cura

Tenho acompanhado bem de longe a história de uma moça que tem lutado contra um grave e pernicioso câncer. É muito improvável, humanamente falando, que haja alguma solução médica para o sofrimento dela. A mãe da moça, que sempre publica as atualizações e os pedidos de oração, mencionou que houve um momento em que pediu que Deus abreviasse o sofrimento de sua filha, dizendo que tinha “desistido da cura”.
Isso me pôs a pensar, de novo, sobre nosso apego às pessoas que amamos e nossas insistência em pensar que “cura” é remoção da doença para se continuar vivendo neste mundo. E a cura não pode ser para viver no próximo plano, aquele que foi preparado para os que buscam em Cristo primeiro a cura para o espírito?
Não sou insensível ao anseio dessa mãe. Eu também ansiava pela cura do meu pai nos meus termos: que ele fosse curado para continuar aqui, sendo bênção enquanto fisicamente presente. Porém, quando meu pai faleceu (um pouco depois, na verdade), eu reconheci que ele fora, sim, curado, só não do jeito que eu queria.
Curiosamente, o fato de Deus não operar o milagre que eu desejava não fez com que Ele fosse menos glorificado por minha família ou por todos que conheceram meu pai. O primeiro sinal disso foi a conversão de sua sobrinha-neta. Só por isso, meu pai diria que já tinha valido a pena morrer.
Curiosamente também, o fato de Deus levar meu pai para Si não fez com que menos pessoas fossem abençoadas. Com tantos livros, textos, vídeos e áudios circulando pelo ciberespaço, sem contar as memórias e anotações daqueles que receberam seu ensino, é inevitável que meu pai continue a ser bênção, mesmo sem residir mais nesta bolota de terra. Creio até que a morte do meu pai tenha multiplicado o alcance daquilo que Deus fazia por meio dele, agora que tantos dos seus alunos e discípulos assumem semelhantes responsabilidades com mais afinco.
Meu pai FOI curado, e Deus FOI glorificado, mesmo que a cura não fosse a que eu pensava ou desejava. Se pensarmos bem, quer nós peçamos para Deus abreviar o sofrimento de nossos irmãos enfermos, quer peçamos que eles sejam fisicamente restaurados, estamos orando para o Senhor efetuar uma cura. Alguns são curados para a glória, outros para a terra.
Cura por cura, ambas redundam em glória para Deus quando abrimos mão de nossos desejos e conceitos, confiamos nEle e proclamamos Sua graça e Seu poder. Não é só porque pedimos pelo fim do sofrimento que “desistimos da cura”. Só pedimos por uma cura diferente. Não é só porque as pessoas não veem um enfermo voltar das portas da morte que elas não verão a glória de Deus. A glória de Deus também se reflete quando há esperança e paz onde o mundo espera que haja desespero e rancor.

Não precisamos nos recriminar por pedir que Deus abrevie o sofrimento de Seus filhos. Isso não é falta de fé. Falta de fé é não acreditar que Ele seja capaz de transformar até a morte dos Seus santos em bem para os que permanecem. Precisamos aceitar que, aconteça o que acontecer, caberá a nós, os que ficarmos, dar glória a Ele e anunciar Sua graça, Sua soberania, Sua sabedoria e a salvação que Ele oferece.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Porque papai o amava...

Teve muita coisa que só consegui entender mesmo depois que meu pai faleceu: a dor de tornar-se órfã; a solidão; 1Timóteo 5.4, 8, 16; a importância de uma igreja bíblica na hora da necessidade; a alegria de ver os frutos de um ministério bem-sucedido…
Hoje, ao ler o informativo de um amigo que foi discipulado pelo meu pai, percebi que eu já estava fazendo contas mentalmente para ver como eu poderia o ajudar. Então eu me perguntei: Por que estou tão pronta para ajudar este amigo especificamente? Não é que eu não tenha o costume de ajudar outros amigos. Tenho muita alegria em contribuir de alguma forma com aqueles que servem a Deus. Mas por que a necessidade deste amigo me comove tanto? De onde brota tanto carinho? Nem somos amigos tão chegados assim.
A resposta? Porque papai o amava.
Não nego. Sou bem o tipo "garotinha do papai". Tanto eu quanto minhas duas irmãs quase idolatrávamos nosso pai; e nós três herdamos o carinho que ele tinha por seus alunos, especialmente aqueles por quem ele tinha uma admiração especial. O amor que meu pai expressava por alguns dos seus alunos simplesmente transbordou sobre nós, e nós aprendemos a os amar simplesmente por causa disso. Em alguns casos, nem chegamos a conhecer pessoalmente o aluno. Mesmo assim, fazemos uma bela ginástica para o ajudar simplesmente porque papai o amava.
E ao pensar nisso, senti-me terrivelmente compungida, pois é esse tipo de amor que eu devia sentir por todos os meus irmãos e todas as pessoas. Por quê? Porque Papai os ama. E daí que tal pessoa provocou uma crise sem precedentes? E daí que a pessoa mais atrapalha o ministério do que ajuda? E daí se a pessoa fede, ou é viciada, ou é criminosa, ou é desagradável, ou é folgada, ou é prepotente? Nosso Pai a amou de tal maneira que deu Seu único, unigênito e verdadeiro Filho para a salvar.
De repente, 1Coríntios 5.11–6.2 e 1João 4.7-21 fazem muuuuito mais sentido…

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Aprendendo com gigantes

Certa vez, conversando com um seminarista que aspirava ao pastorado, eu o ouvi dizer que nunca ensinaria crianças. Eu tinha, até aquele momento, muita consideração por ele, que inclusive tinha se casado com uma amiga, que presenciou essa conversa. Mas naquele momento o meu conceito dele caiu quilômetros, e sem para-quedas. Dei-lhe um sabão tão severo que as orelhas dele devem ter ardido pelo resto do ano.

Ratinho de igreja desde a infância e filha de teólogo ainda por cima, sei que fui muito mal acostumada no que diz respeito a ensino bíblico. Fui criada por um homem que amava a Deus, amava a Palavra e amava ensinar, fosse para quem fosse. Meu pai ensinava qualquer um que aparecesse curioso para aprender ou qualquer classe em que o colocassem. Pelo menos essa é a impressão que eu sempre tive dele. E não ensinava de qualquer jeito, não – mesmo que fosse pego para ensinar de improviso, quando abria a Bíblia para ensinar, seus alunos saíam com uma lição valiosa. No mínimo, saíam com uma nova percepção da própria ignorância. Eu mesmo sofria muito disso quando pedia para meu pai explicar matemática ou física… céus! Que viagem.

Crescendo numa igreja pequena, que muitas vezes dependia de seminaristas para ensinar as crianças, admito que eu aprendia mais sobre a Bíblia em casa. Na verdade, é assim que deveria ser, mas isso é outro assunto.

Porém, quando minha família viajou para meu pai fazer o doutorado dele, algo muito especial aconteceu. Estávamos numa igreja nova, e eu custo a me enturmar em locais novos. A igreja nova tinha OANSE com as crianças; eu era criança; meu pai tinha essas noites livres. Ele foi ensinar a história de Neemias para a turma de OANSE. Ele já tinha nos ensinado em casa em nossos cultinhos, tinha até composto uma música que cantávamos sempre. Ele traduziu a música, contou a história em capítulos emocionantes, até com suspense no final de cada um. Acho que ninguém nunca tinha contado história assim para aquele grupo.

Muitos anos depois, já de volta a minha igreja – aquela pequena em que cresci – eu estava como professora dos juniores (9-12 anos). Meu parceiro nas aulas era um seminarista, muito amigo meu, que tinha ideias quase tão malucas quanto as minhas. Fazia tempo que eu tinha abandonado o uso de revistas e currículos prontos. Estávamos ensinando sobre o livro de Atos, se não me engano, e percebemos que ambos estaríamos ausentes durante duas ou três semanas. Quem nos substituiria? Não era fácil encontrar alguém com a… desenvoltura que tínhamos desenvolvido nos últimos meses ensinando juntos.

Foi então que o nosso pastor nos abordou. Naquelas semanas, ele estaria de folga da escala de pregação e estava disposto a meramente “mudar de audiência”. Meu colega e eu ficamos muito aliviados e muito alegres. Nem imaginaríamos que nosso pastor seria o primeiro a se voluntariar para nos substituir. Se eu me lembro bem, o pastor deu duas aulas, e meu pai deu a outra. Meu amigo e eu fomos, cada um para a sua viagem, contentes ao saber que Deus tinha levantado pessoas de confiança.

Anos depois, conversando com um daqueles alunos de escola dominical que tiveram aquelas aulas com o nosso pastor, ele contou como ele tinha se sentido honrado ao ter aulas com O PASTOR DA IGREJA e com o professor CARLOS OSVALDO*. Para aquele meu aluno, parecia inacreditável que aqueles dois gigantes dariam aulas para meros juniores. Ele disse que aquelas estavam entre as melhores aulas que a classe teve.

Lembrando desses episódios, penso que colocamos e reforçamos muitas barreiras entre as crianças e os líderes da igreja. Penso que a igreja se beneficiaria muito mais se as crianças tivessem mais contato com pastores e pregadores. Elas não conseguem evitar pensar que alguém que é considerado uma autoridade pelos adultos seja muito elevado ou ocupado para se importar com meras crianças. E quantas vezes não reforçamos isso, dizendo, “Não atrapalhe o pastor! Largue de ser tão enxerido! Pergunte para outra pessoa!” (Isso lhe soa familiar? Lc 18.15-17)

Não sei se percebemos, mas sempre que fazemos isso damos a ideia de que as dúvidas e a curiosidade das crianças não são importantes. Pelo contrário, mostramos que são uma inconveniência. Que equívoco lastimável! Uma das melhores coisas que podemos fazer pelas crianças da igreja é justamente fomentar a curiosidade delas a respeito da Palavra de Deus, encorajá-las a tirar suas dúvidas e ter contato com aqueles mais capacitados para as ajudar.

Falando de experiência própria, poucas coisas são mais emocionantes para uma criança (na fé e na idade) do que ser ensinado por um dos “gigantes” da igreja. É como sentar aos pés de um herói e ouvir de suas aventuras e descobertas. Como ousamos privar as crianças disso? Não que vamos deixá-las ligar para o pastor quando elas acordam às 2h da madrugada com dúvidas teológicas (sim, isso acontece) – é preciso ter um pouco de tino social também. Mas quando elas fazem aquelas perguntas cabeludas que não sabemos responder bem, por que não direcioná-las a quem sabe? Vá junto! Demonstre você também interesse pelas dúvidas que tiram o sossego das crianças. Descubram as respostas e conversem sobre elas. Você verá que, ao ajudá-las a conhecer mais de Deus e a Bíblia, acabará aprendendo o que nem imaginava que podia.



*Para quem não me conhece, sou filha de Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, autor de Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento e Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento, entre outras coisas. Naquela época, ele era presidente da igreja e reitor do Seminário Bíblico Palavra da Vida.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

DEUS, DESPERDÍCIO E… MENSTRUAÇÃO?!


De novo a palavra do SENHOR veio a mim, dizendo: "Filho do homem, quando os israelitas moravam em sua própria terra, eles a contaminaram com sua conduta e com suas ações. Sua conduta era à minha vista como a impureza menstrual de uma mulher."
Ezequiel 36.16, 17
Somos como o impuro—todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo. (Leia-se "trapos usados para reter o fluxo da menstruação")
Isaías 64.6a

Há um sentido muito interessante nessas afirmações. A descarga menstrual de uma mulher não é só sangue, nem é excremento, mesmo que seja imundo. O ciclo menstrual é a preparação para o útero receber, abrigar e alimentar um bebê. Uma série de transformações acontecem para que a mulher se torne apta para carregar uma nova vida gerada em seu ventre. Nessa preparação, novos tecidos são formados, nutrientes são investidos e energia é gasta para que uma a vida vingue – o cumprimento do propósito de todo o organismo.
Entretanto, quando chega o tempo em que a semente de vida se implantaria nos novos tecidos preparados para ela, e a semente não vem, todo aquele investimento e trabalho começa a se desmanchar e escapar, desperdiçado, muitas vezes com algum grau de dor e sofrimento, sempre com incômodo.
Para Deus, um povo escolhido, resgatado, ensinado e amparado que ainda insistia em fazer o mal é tão desperdiçado como todo o esforço de um corpo para receber um bebê que não chega. É algo que deveria ser maravilhoso, mas que se torna inútil, rejeitado e, de fato, imundo. É de se surpreender que Deus ficaria irado em ver tantas bênçãos como as que Ele deu serem desprezadas? É de surpreender que Deus teria nojo de um povo que desperdiçasse tantos benefícios? Não que Deus tivesse Se surpreendido ou Se frustrado. O fato de a mulher saber exatamente o que vai acontecer a cada mês não diminui o incômodo ou a inconveniência da "regra". Deus sabia exatamente o que aconteceria, e fez fielmente que Ele mesmo tinha prescrito na Lei para essa situação. Que bom que Deus não desperdiça nem mesmo os nossos desperdícios.

Quanto aos nossos "atos de justiça", isso precisa de mais contexto.
Desde os tempo s antigos ninguém ouviu nenhum ouvido percebeu, e nenhum olho viu outro Deus, além de ti, que trabalha para aqueles que nele esperam. Vens ajudar aqueles que praticam a justiça com alegria, que se lembram de ti e dos teus caminhos. Mas, prosseguindo nós em nossos pecados, tu te iraste. como, então, seremos salvos? Somos como o impuro—todos nós! Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo. murchamos como folhas, e como o vento as nossas iniquidades nos levam para longe.
Isaías 64.4-6
O problema continua sendo aqueles que desprezam a vontade de Deus, mas o foco da imundice está naquilo que eles fazem. O pecador não regenerado por meio de Cristo vive para si. Ele não quer saber de, quanto menos fazer o que agrada a Deus. Só deseja fazer suas próprias vontades. Tudo que ela fará será voltado para ela mesma – no máximo, para o próximo ou para o planeta, talvez até para ganhar o favor de Deus, mas nunca para dar graças e glória a Deus. É sempre voltado para o eu.
Esta é a raiz do pecado: uma pessoa basear toda a sua existência (identidade, propósito e procedimento) em qualquer outra coisa que não seja o seu Criador, a saber, Deus. Isso faz com que qualquer coisa que essa pessoa faça seja direcionada, igualmente, para qualquer outra coisa que não seja o seu Criador. Assim, qualquer coisa que essa pessoa faça, por mais nobre e altruísta que seja, será tão desperdiçada quanto a preparação do útero para um bebê que nunca virá.
É por isso que o profeta diz do povo que seus "atos de justiça são como trapo imundo". Até as tentativas de fazer o bem nada mais eram do que uma forma de reter aquilo que é inútil e vil aos olhos de Deus. Não tinham propósito nenhum exceto tentar estancar vez após vez após vez o refugo de uma vida desperdiçada, tornando-se tão inútil e vil quanto aquilo que devia absorver.

A menos que a nossa existência (identidade, propósito e procedimento) estiver em Cristo, por meio da fé nEle, nada do que fizermos será mais do que isso. Estando nEle, já é um exercício constante conter o desperdício e fazer tudo para a glória dEle, visto que nossa natureza tende a buscar nossos próprios maus desejos, nossa própria exaltação, refugo aos olhos do Criador. Não podemos desperdiçar tudo que Deus nos deu com obras que não rendem a Ele frutos de vida.