segunda-feira, 30 de maio de 2016

Aprendendo com gigantes

Certa vez, conversando com um seminarista que aspirava ao pastorado, eu o ouvi dizer que nunca ensinaria crianças. Eu tinha, até aquele momento, muita consideração por ele, que inclusive tinha se casado com uma amiga, que presenciou essa conversa. Mas naquele momento o meu conceito dele caiu quilômetros, e sem para-quedas. Dei-lhe um sabão tão severo que as orelhas dele devem ter ardido pelo resto do ano.

Ratinho de igreja desde a infância e filha de teólogo ainda por cima, sei que fui muito mal acostumada no que diz respeito a ensino bíblico. Fui criada por um homem que amava a Deus, amava a Palavra e amava ensinar, fosse para quem fosse. Meu pai ensinava qualquer um que aparecesse curioso para aprender ou qualquer classe em que o colocassem. Pelo menos essa é a impressão que eu sempre tive dele. E não ensinava de qualquer jeito, não – mesmo que fosse pego para ensinar de improviso, quando abria a Bíblia para ensinar, seus alunos saíam com uma lição valiosa. No mínimo, saíam com uma nova percepção da própria ignorância. Eu mesmo sofria muito disso quando pedia para meu pai explicar matemática ou física… céus! Que viagem.

Crescendo numa igreja pequena, que muitas vezes dependia de seminaristas para ensinar as crianças, admito que eu aprendia mais sobre a Bíblia em casa. Na verdade, é assim que deveria ser, mas isso é outro assunto.

Porém, quando minha família viajou para meu pai fazer o doutorado dele, algo muito especial aconteceu. Estávamos numa igreja nova, e eu custo a me enturmar em locais novos. A igreja nova tinha OANSE com as crianças; eu era criança; meu pai tinha essas noites livres. Ele foi ensinar a história de Neemias para a turma de OANSE. Ele já tinha nos ensinado em casa em nossos cultinhos, tinha até composto uma música que cantávamos sempre. Ele traduziu a música, contou a história em capítulos emocionantes, até com suspense no final de cada um. Acho que ninguém nunca tinha contado história assim para aquele grupo.

Muitos anos depois, já de volta a minha igreja – aquela pequena em que cresci – eu estava como professora dos juniores (9-12 anos). Meu parceiro nas aulas era um seminarista, muito amigo meu, que tinha ideias quase tão malucas quanto as minhas. Fazia tempo que eu tinha abandonado o uso de revistas e currículos prontos. Estávamos ensinando sobre o livro de Atos, se não me engano, e percebemos que ambos estaríamos ausentes durante duas ou três semanas. Quem nos substituiria? Não era fácil encontrar alguém com a… desenvoltura que tínhamos desenvolvido nos últimos meses ensinando juntos.

Foi então que o nosso pastor nos abordou. Naquelas semanas, ele estaria de folga da escala de pregação e estava disposto a meramente “mudar de audiência”. Meu colega e eu ficamos muito aliviados e muito alegres. Nem imaginaríamos que nosso pastor seria o primeiro a se voluntariar para nos substituir. Se eu me lembro bem, o pastor deu duas aulas, e meu pai deu a outra. Meu amigo e eu fomos, cada um para a sua viagem, contentes ao saber que Deus tinha levantado pessoas de confiança.

Anos depois, conversando com um daqueles alunos de escola dominical que tiveram aquelas aulas com o nosso pastor, ele contou como ele tinha se sentido honrado ao ter aulas com O PASTOR DA IGREJA e com o professor CARLOS OSVALDO*. Para aquele meu aluno, parecia inacreditável que aqueles dois gigantes dariam aulas para meros juniores. Ele disse que aquelas estavam entre as melhores aulas que a classe teve.

Lembrando desses episódios, penso que colocamos e reforçamos muitas barreiras entre as crianças e os líderes da igreja. Penso que a igreja se beneficiaria muito mais se as crianças tivessem mais contato com pastores e pregadores. Elas não conseguem evitar pensar que alguém que é considerado uma autoridade pelos adultos seja muito elevado ou ocupado para se importar com meras crianças. E quantas vezes não reforçamos isso, dizendo, “Não atrapalhe o pastor! Largue de ser tão enxerido! Pergunte para outra pessoa!” (Isso lhe soa familiar? Lc 18.15-17)

Não sei se percebemos, mas sempre que fazemos isso damos a ideia de que as dúvidas e a curiosidade das crianças não são importantes. Pelo contrário, mostramos que são uma inconveniência. Que equívoco lastimável! Uma das melhores coisas que podemos fazer pelas crianças da igreja é justamente fomentar a curiosidade delas a respeito da Palavra de Deus, encorajá-las a tirar suas dúvidas e ter contato com aqueles mais capacitados para as ajudar.

Falando de experiência própria, poucas coisas são mais emocionantes para uma criança (na fé e na idade) do que ser ensinado por um dos “gigantes” da igreja. É como sentar aos pés de um herói e ouvir de suas aventuras e descobertas. Como ousamos privar as crianças disso? Não que vamos deixá-las ligar para o pastor quando elas acordam às 2h da madrugada com dúvidas teológicas (sim, isso acontece) – é preciso ter um pouco de tino social também. Mas quando elas fazem aquelas perguntas cabeludas que não sabemos responder bem, por que não direcioná-las a quem sabe? Vá junto! Demonstre você também interesse pelas dúvidas que tiram o sossego das crianças. Descubram as respostas e conversem sobre elas. Você verá que, ao ajudá-las a conhecer mais de Deus e a Bíblia, acabará aprendendo o que nem imaginava que podia.



*Para quem não me conhece, sou filha de Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, autor de Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento e Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento, entre outras coisas. Naquela época, ele era presidente da igreja e reitor do Seminário Bíblico Palavra da Vida.